quinta-feira, 21 de abril de 2016

NA ESTANTE | EDIÇÃO 2016#02 | SUCESSO SEMPRE

NA ESTANTE
 Por Oliveira Celso

 Revelando os talentos que surgem na dramaturgia, na literatura atual contemporânea, na poesia e por aí vai. Essa edição 2016#02 SUCESSO SEMPRE que já é SUCESSO. Apresenta, Ivna Feitosa, com seu conto Molhada.


Eu ficava olhando aquelas meninas. Todas lindas com peitos e bundas como as que meu pai me mostrava na rua. Elas desfilavam para lá e para cá, desdenhosas, robustas e chamadoras. Nada no mundo tinha mais importância do que esse desfile, me ensinou meu pai. Ele vivia dizendo: olha essa aí! A efervescência dele me inebriava, eu ficava empolgado com aquilo. Ele notava, e parecia que o mundo tinha sido feito para mim.


O bloco acabou. Alguém comentou: é agora! O final dos blocos era o momento mais promissor, as meninas não sabiam muito para onde ir. Senti aquela ansiedade que não era minha, mas era. Uma garota não deixou meu amigo segurar o braço dela. Ele tentou beijar e ela o empurrou com força. Outro amigo mandou para ele um olhar de e aí? Ele deu um soco na cara dela. A gente riu, muito. Ele ficou gritando para a garota: tu é muito feia! A gente ria mais ainda.


Aí ela passou. Não era bronzeada e acho que não era muito menina. Ela não estava preocupada se a gente olhava para ela ou não, ela simplesmente ia. E ela cantava, ria, pulava. Ela bebia e dava risada. Dançava e chamava outros para dançar também. Daqui a pouco ela sumia e depois voltava ainda mais risonha, aliviada. Ela ia e voltava e nada mais a segurava, a não ser meus olhos.



Comentei com um amigo: olha essa. Eu estava confuso, precisava de ajuda. Ele falou: qual? E nem se ligou nela, saiu. Continuei olhando para ela e de repente fui me escondendo no canudo da minha bebida. Queria sumir nele para ficar só olhando. A bunda dela não era tão redonda. Não tinha esse peito todo que meu pai gostava. Saía uma barriguinha do cós da saia dela. Estava cheia de purpurina jogada sem lógica, acho que ela nem se preocupou em se fantasiar nem nada. Ela não tinha nada a ver com as meninas da galera, muito menos com a coelhinha ali que não parava de me olhar, igual a todos os dias na escola.


Ela não tinha tatuagem, não achei nenhuma. O cabelo era estranho, sei lá, diferente. Não tinha aquele liso que a gente vê normal, toda hora. Um amigo chegou e disse que a coelhinha queria me dar. Eu não consegui responder nada, nem queria. Fingi que estava doidão e aproveitei a onda para apontar com o queixo: olha essa! Ele respondeu saindo: essa aí é louca. Olhei para a coelhinha e me arrependi. Sai!


Cadê ela? Por que eu fui olhar para lá? Ela foi embora, claro, óbvio. Senti um medo nas minhas costas. Ela chegou negociando cerveja com o ambulante do meu lado. Virei e vi que ele fez uma cara feia que não durou meio segundo. Bastou ela sorrir e ele fez que sim. Deu alegre duas cervejas no preço de uma quase, eu prestei atenção. Como ela fez aquilo? Congelei.


 Ela ficou ali parada, virando a lata na boca, cada gole era um descanso. Uma amiga dela apareceu mostrando alguma coisa que eu não consegui acompanhar. Meus olhos não falavam mais comigo, nem com o chão, nem com aquele resto de bloco. Eles estavam sozinhos. Me senti perdido, estático.


Despertei com um dos meus amigos pulando e me empurrando, como a gente sempre fazia no recreio depois do jogo. Esbarramos na amiga dela, que não gostou nem um pouco. Ela fez um gesto de deixa para lá, a alegria no rosto dela me deu apavorou. Fiquei com vergonha de me esconder no canudo de novo porque a bebida tinha acabado. Deu vontade de sair correndo, mas meu corpo não se movia, meus olhos petrificaram num nada à minha frente.


   Eu sentia a risada dela, ouvia um cheiro que eu queria tocar. Eu queria sair, sumir, mas não conseguia. Não saio, ela está aqui. Minha respiração me disse que ela nem sabe que eu existo. Antes que eu pudesse decidir, já tinha dado um passo que me levava mais perto dela. Dei outro e meu corpo virou. Eu não tinha virado, ele sim. Me senti um idiota vendo que ela nem ligava, mesmo. Dei mais um passo, não me pergunte como fiz isso, e olhei direto para ela.

Ela acendeu um cigarro. Virou, me viu e eu parei de respirar. Ela não notou, acho que não, espero que não. Aí ela me deu o mesmo sorriso que dava para todo mundo e parou um tempo nos meus olhos. Deu outro trago no cigarro virando o rosto porque ele estava na mão de lá. Deixou para mim a nuca pelada, molhada, assustadora. Voltou, sorriu para o ambulante e olhou para mim de novo. Eu me apaixonei e foi a primeira vez que senti pena de mim mesmo. 


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