NA
ESTANTE
Por Oliveira
Celso
Revelando os talentos que surgem na
dramaturgia, na literatura atual contemporânea, na poesia e por aí vai. Essa
edição 2016#02 SUCESSO SEMPRE que já é SUCESSO. Apresenta, Ivna Feitosa, com seu conto Molhada.
Eu ficava
olhando aquelas meninas. Todas lindas com peitos e bundas como as que meu pai
me mostrava na rua. Elas desfilavam para lá e para cá, desdenhosas, robustas e
chamadoras. Nada no mundo tinha mais importância do que esse desfile, me
ensinou meu pai. Ele vivia dizendo: olha essa aí! A efervescência dele me
inebriava, eu ficava empolgado com aquilo. Ele notava, e parecia que o mundo
tinha sido feito para mim.
O bloco acabou. Alguém comentou: é agora! O final dos
blocos era o momento mais promissor, as meninas não sabiam muito para onde ir.
Senti aquela ansiedade que não era minha, mas era. Uma garota não deixou meu
amigo segurar o braço dela. Ele tentou beijar e ela o empurrou com força. Outro
amigo mandou para ele um olhar de e aí? Ele deu um soco na cara dela. A gente
riu, muito. Ele ficou gritando para a garota: tu é muito
feia! A gente ria mais ainda.
Aí ela passou. Não era bronzeada e acho que não era muito
menina. Ela não estava preocupada se a gente olhava para ela ou não, ela
simplesmente ia. E ela cantava, ria, pulava. Ela bebia e dava risada. Dançava e
chamava outros para dançar também. Daqui a pouco ela sumia e depois voltava
ainda mais risonha, aliviada. Ela ia e voltava e nada mais a segurava, a não
ser meus olhos.
Comentei com um amigo: olha essa. Eu estava confuso,
precisava de ajuda. Ele falou: qual? E nem se ligou nela, saiu. Continuei
olhando para ela e de repente fui me escondendo no canudo da minha bebida. Queria
sumir nele para ficar só olhando. A bunda dela não era tão redonda. Não tinha
esse peito todo que meu pai gostava. Saía uma barriguinha do cós da saia dela. Estava
cheia de purpurina jogada sem lógica, acho que ela nem se preocupou em se
fantasiar nem nada. Ela não tinha nada a ver com as meninas da galera, muito
menos com a coelhinha ali que não parava de me olhar, igual a todos os dias na
escola.
Ela não tinha tatuagem, não achei nenhuma. O cabelo era
estranho, sei lá, diferente. Não tinha aquele liso que a gente vê normal, toda
hora. Um amigo chegou e disse que a coelhinha queria me dar. Eu não consegui
responder nada, nem queria. Fingi que estava doidão e aproveitei a onda para apontar
com o queixo: olha essa! Ele respondeu saindo: essa aí é louca. Olhei para a coelhinha
e me arrependi. Sai!
Cadê ela? Por que eu fui olhar para lá? Ela foi embora,
claro, óbvio. Senti um medo nas minhas costas. Ela chegou negociando cerveja
com o ambulante do meu lado. Virei e vi que ele fez uma cara feia que não durou
meio segundo. Bastou ela sorrir e ele fez que sim. Deu alegre duas cervejas no
preço de uma quase, eu prestei atenção. Como ela fez aquilo? Congelei.
Ela ficou ali parada, virando a lata na boca, cada gole
era um descanso. Uma amiga dela apareceu mostrando alguma coisa que eu não
consegui acompanhar. Meus olhos não falavam mais comigo, nem com o chão, nem
com aquele resto de bloco. Eles estavam sozinhos. Me senti perdido, estático.
Despertei com um dos meus amigos pulando e me empurrando,
como a gente sempre fazia no recreio depois do jogo. Esbarramos na amiga dela,
que não gostou nem um pouco. Ela fez um gesto de deixa para lá, a alegria no
rosto dela me deu apavorou. Fiquei com vergonha de me esconder no canudo de
novo porque a bebida tinha acabado. Deu vontade de sair correndo, mas meu corpo
não se movia, meus olhos petrificaram num nada à minha frente.
Eu sentia a risada dela, ouvia um cheiro que eu queria tocar.
Eu queria sair, sumir, mas não conseguia. Não saio, ela está aqui. Minha
respiração me disse que ela nem sabe que eu existo. Antes que eu pudesse
decidir, já tinha dado um passo que me levava mais perto dela. Dei outro e meu
corpo virou. Eu não tinha virado, ele sim. Me senti um idiota vendo que ela nem
ligava, mesmo. Dei mais um passo, não me pergunte como fiz isso, e olhei direto
para ela.
Ela acendeu um cigarro. Virou, me viu e eu parei de
respirar. Ela não notou, acho que não, espero que não. Aí ela me deu o mesmo
sorriso que dava para todo mundo e parou um tempo nos meus olhos. Deu outro
trago no cigarro virando o rosto porque ele estava na mão de lá. Deixou para
mim a nuca pelada, molhada, assustadora. Voltou, sorriu para o ambulante e olhou
para mim de novo. Eu me apaixonei e foi a primeira vez que senti pena de mim
mesmo.
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